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Esse gosto de reticências que me sobra na boca toda vez que eu te encontro não me deixa dormir depois. É estranho isso me chatear, se, na verdade, quando se gosta de alguém, o desejo de um reencontro sobrepõe -se a qualquer outro tipo de vontade.
É que muito já esperei por você. É que muito tempo já perdi na sublime esperança de continuar tendo-te comigo no hoje e no amanhã.
É que seus olhos, olhos tão deliciosos e sedutores, muito já me fizeram afundar em suas profundesas. É que, esses mesmos olhos, eu sempre quis prostrados pra mim, no entanto, apenas me encontrava na vazia impressão de tê-los à minha direção.
É que muitas foram as vezes nas quais te esperei no nosso lugar preferido e não te vi chegar. É que eu cansei de te esperar e, agora, tenho medo da perpetuação desse teu modo de agir, apenas por ter se acostumado a saber-me à tua espera.
As conseqüências dessa exaustão de minha parte são fatos. Pensar que te amo me levou a muitas coisas irreconhecíveis. O amor vai sempre ser assim. Essa necessidade abrupta e incansável de desligar-se da realidade e concentrar-se, apenas, em procurar alguém para se reproduzir. Esse meu corpo movido por impulsos, que muitas vezes não controlo ou que muitas vezes me fizeram achar controlar, apenas pensa na importância de se acomodar com alguém que a mim proteja, futuramente. Esse instinto de multiplicação, de continuação da espécie humana controla meus sentidos e diz-me que é amor. O amor. O amor que nas revistas adolescentes ganha tanta publicidade. O amor que vende tão facilmente na novela da televisão. O amor ao bem, que sempre vence o mal no final. O amor que constrói histórias e lições de vida, encantando um monte de coraçõezinhos saltitantes. O amor do cartão de dia do amigo, que lota a prateleira da papelaria. O amor que vende, que inventa, que convence. O amor que te fizeram saber existir... que te fizeram achar sentir. Esse amor só existe no papel. E esse amor me fez achar precisar de você.
O cérebro envia impulsos ao meu corpo inteiro. Em segundos um arrepio me faz pensar um sentimento por alguém. Isso é, apenas, instinto de se defender. Com alguém que me crie, que me cuide, que me alimente, que me faça sorrir, que me proteja, que me almeje, que me multiplique, que me continue. O amor que tentam me fazer acreditar, realmente, só existe no papel e na propaganda na televisão.
Eu penso assim, não importa no que me queiram fazer pensar. Eu acredito nisso e não mudarei minha 'conclusão' por causa da sua adaptação do amor. Sim, eu o sinto. Calafrios, saudades, desejo e tudo mais. Sensações que interpreto como maquiagem na superfície de uma necessiade de proteção.
Por quê sofrerei por algo assim? Por quê me deixarei levar e enganar por algo que passará, com certeza, no final? Eu odeio esse gosto podre, azedo e exagerado de reticências que você deixa na minha boca, ao sair.
Por que eu quero que você saia, completamente, de mim. De todas as formas, de todos os jeitos. Eu quero que haja escassez de você no meu pensamento.
O anel que tu me destes, junto com a ligeira esperança de um futuro ao seu lado, eu joguei no meu quintal. Deixei que a terra comesse o seu sentimento de aço por mim. Sentimento que se resumia, unicamente, a um objeto pequeno, barato e me dado, sem nenhuma promessa ou proposta. Anel que veio somente com a tua vontade de que eu me acalmasse, e parasse de cobrar amor de você. Talvez alguma minhoca faça proveito dos teus desejos falsos. Talvez algum cogumelo nasça sobre o adubo que enterrei naquela porção de areia. Talvez da sua vontade de compromissar-se comigo cresça uma árvore na qual eu possa descansar na sombra. Eu joguei o seu anel na terra do meu quintal para provar, a mim e a você, que sentimentos que vieram do vazio, ao vazio retornarão. Eu enterrei o nosso amor, que nunca existiu e que, por isso, morreu com a minha descoberta. Agora, só preciso cuspir esse gosto maldito de reticências da boca, e te deixar bem claro que o seu tempo acabou, pois eu não gosto de esperar por alguém que nunca deu ou me dará algum valor.



(texto fictício - nada daqui acontece ou aconteceu de verdade)

2 Response to "..."

  1. Nanami Says:

    (texto fictício - nada daqui acontece ou aconteceu de verdade)

    SEEEEEEEEEEI. :X
    Mas ficou muito bom, como sempre. Cê é tão boa com as palavras. *-*

  2. Nanami Says:

    Este comentário foi removido pelo autor.