Não há, nessa vida, algo mais misterioso que a escuridão. Não há maior ponto de interrogação. Não há convite mais excitante que seus olhos surpreendentes me olhando com esse estrabismo diferente, único, seu, uma beleza contrária, tão única, tão tua, tão pertencente a você, somente a você, uma beleza que nasceu em você, que você criou, por trás dos seus óculos intelectuais. E esse seu ar negro, essa dúvida que forma nuvens à sua altura... A minha infinita questão de o porque que o meu desejo por ti se resume em uma reticências, o porque de o meu gostar se conjecturar em uma esperança sem fim, apesar da sua indiferença a mim. Tudo se junta em mais um ponto de interrogação.
Em minha espera, sonho um dia criar forças, ou rouba-las de onde quer que seja, para te dizer um, um sequer, adeus. E acredito sobriamente que um dia hei de conseguir. No entanto, em meio a esse otimismo talvez forçado, percebo mais uma dúvida me desafiar. É a falta de um, um sequer, vocativo para colocar em uma frase junta com a minha despedida. De que ousarei lhe chamar? Citarei seu doce nome?, mantendo assim uma incalculável distância entre nós, fugindo totalmente da situação, dando adeus a um tão belo amor, e o chamando pelo nome? Não. Amigo então?, impossível, isso mudaria totalmente o sentido, a razão. Isso arrancaria todo o meu real sentimento, transformando-o em uma imitação barata de amizade (ressentimento). Amigos não se deixam, ou, pelo menos, não deveriam se deixar. Amores sim, amores partem, têm fim. Nada é tão infinito quanto uma amizade, nada é tão finito quanto um amor. Porque, infelizmente, na realidade (e não nas sentimentais frases ingênuas da vida) o amor se limita e se resume a uma fase de intensidade vivida por um ou dois alguéns, em uma inebriante fuga da realidade. É, isso mesmo, na realidade o amor é uma fuga da realidade, é a necessidade do escape romântico para um lugar onde ele estará são e salvo por algum tempo, tempo esse que, de alguma forma, sempre é do tamanho suficiente para dar espaço a uma história que permanecerá na memória dos amantes, enquanto ela existir (a memória, rs). Então, aparentemente, o único adjetivo que me sobra é a palavra “amor”, tão mais do que uma palavra... impossível! Pois, mesmo eu não querendo ser tão distante de você na despedida, também não posso ser tão íntima. Não posso ser tão sincera, tão realista... para não te assustar, para não te nocautear bruscamente com um susto assim. Com uma verdade assim... um golpe. Tenho que liberar meus sentimentos em rasas doses, para que você, se realmente tiver algum interesse, interprete com um grande estudo de minhas últimas palavras a você, o que eu realmente sentia e queria dizer em nosso adeus.
Adeus esse que se caracteriza por, ou que possa ser substituído pelo sinônimo orgulho. Compreenda, eu não quero lhe deixar. Não quero desistir, parar de sonhar. Não quero não mais acreditar quem um dia nossas bocas, delicadas bocas, visivelmente feitas uma para a outra, irão se encontrar, em um beijo que se configurará irresistível, que poderá ser comparado a um clímax da mais fervorosa narrativa erótica. Minha boca suave na tua carnuda, esquecendo do ar. Nossas mãos guiando-se para a nuca, um do outro. Nós nos puxando para perto em uma perfeita sintonia, apertando nossos corpos. Apertando nossas pálpebras fechadas quando alguma boca enfim descer pela outra boca, até encontrar um pescoço que a esperava impaciente. Os pêlos arrepiados por todo o corpo, as mãos descendo e subindo, a certificação de um desejo oprimido no âmago de cada um. De um lado desiludido, do outro um desejo que se dizia inexistente, que tentava negar a própria necessidade, que quase era afogado no orgulho e no medo de aceitar-se. Um desejo que nunca fora imaginado estar lá. Mas que talvez e provavelmente só exista em meus sonhos com você. Até nos mais simples deles. E que por existir me preocupa. A sua indiferença principalmente me preocupa também, por isso, e só por isso, seria capaz de lhe dizer adeus, mesmo que isso te surpreendesse, que lhe parecesse o fim de algo que nem ousou começar, e que você nem queria que começasse.
É essa escuridão que me amedronta, que me expulsa, que me manda para fora de suas terras e de sua proximidade. É essa sua repulsa, esse seu conceito pré-formado, essa sua indignação por ver-me perto, que me faz pensar na despedida. Uma despedida talvez metafórica, uma despedida que talvez seja, na verdade, um pacto comigo, um trato, uma promessa... a promessa de que irei te esquecer, mesmo que não diga a palavra adeus para você, que só me afaste e mude o meu lugar na minha rotina onde te vejo presente. Eu tento me convencer a sumir enquanto você me humilha e me ignora. O que me traz certo ódio, a raiva de saber que nunca vou saber como é passar os dedos delicadamente pelos teus lábios que adoro, ou olhar-te nos olhos, nesses teus olhos, passeando a bochecha pela tua e dizer o quão apaixonada eu sou por você e essa sua barba mal-feita que eu sempre só fiz olhar e desejar de longe. Devo ter começado do jeito errado com você, e não passei por erros assim para saber como sair. Porém, me sinto tão tímida ao teu lado que acho que não conseguirei criar uma escapatória dessa vez, assim você não ficará na minha memória como lição, só será uma lembrança no meu coração de uma paixão quente, nos meus pensamentos, que não deu certo.